Clima sem controle ameaça soberania, afirma cientista
O descontrole sobre as emissões de gases de efeito estufa hoje pode forçar a humanidade a fazer esses cortes do pior jeito no futuro: limitando liberdades individuais e soberanias nacionais. Um órgão multinacional criado para controlar o termostato da Terra poderia, por exemplo, fazer as vezes de um "Big Brother", regulando atividades como a agricultura e a exploração florestal (que emitem carbono). Em um caso extremo, controlando a própria população do planeta.

Esse cenário orwelliano é pintado por Tim Flannery, 51, paleontólogo australiano que assumiu a linha de frente da divulgação dos efeitos da mudança climática global.

Seu livro "Os Senhores do Clima" (Ed. Record), que chega nesta semana às livrarias brasileiras, usa a "ditadura do carbono" para ilustrar os perigos da falta de ação dos governos do mundo na redução dos gases que causam o efeito estufa.

Segundo Flannery, não começar já a reduzir as emissões em 70% ou mais (o necessário para estabilizar a concentração de CO2 na atmosfera num nível aceitável) pode significar ter de fazê-lo muito abruptamente no futuro, quando desastres climáticos e quebras de safra se tornarem freqüentes demais.

"Se o problema ficar muito sério, teríamos de tomar medidas muito duras contra ele. E nós poderíamos com essas medidas precisar limitar a liberdade dos indivíduos", disse Flannery à Folha. Leia a entrevista.

FOLHA - Os cientistas alertam há décadas para os riscos da mudança climática. Por que só agora a questão ganhou tanta popularidade?

FLANNERY - Acho que aconteceram duas coisas. Uma é que a ciência ficou melhor, e a comunicação da ciência ficou melhor. O filme de Al Gore ["Uma Verdade Inconveniente"] é um bom exemplo disso. Mas nós também estamos vendo mudanças na natureza que as pessoas podem relacionar à mudança climática pela primeira vez, como secas e furacões.

FOLHA - O sr. diz no livro que a sua própria "conversão" levou tempo.

FLANNERY - Eu acho que paleontólogos e geólogos geralmente são meio céticos da mudança climática, porque nós sentimos que o clima certamente muda, mas ele muda ao longo de um tempo muito grande. E eu subestimava a taxa de mudança atual e pensava que levaria centenas de anos até que ela tivesse algum impacto no que quer que fosse.

FOLHA - O que o levou a mudar de opinião?
FLANNERY - Uma solicitação do governador de meu Estado para "brifá-lo" sobre ciência e meio ambiente. Isso me fez voltar à literatura científica e comecei a lê-la com mais diligência, mais amplamente do que eu tinha lido antes. E logo ficou claro que eu havia subestimado a mudança climática.

FOLHA - O sr. foi escolhido o Australiano do Ano de 2007 por sua militância ambiental. Como é isso em um dos dois únicos países ricos que rejeitam o Protocolo de Kyoto?

FLANNERY - Muito inesperado. Mas esse reconhecimento não vem do governo e sim do povo da Austrália. A maioria dos australianos, 75% de acordo com a última pesquisa que vi, acreditam que a mudança climática é uma ameaça séria e que deve ser atacada independentemente do custo que isso possa ter para a economia.

FOLHA - O sr. argumenta no livro que a mudança climática pode limitar as liberdades e os direitos individuais no futuro. Por quê?

FLANNERY - Esse problema afeta a todos os seres humanos. A atmosfera é um bem comum global. Então, se o problema ficar muito sério, teríamos de tomar medidas muito duras contra ele. E nós poderíamos com essas medidas precisar limitar a liberdade dos indivíduos. Eu espero que isso não aconteça, mas se deixarmos que o problema continue a piorar, isso é uma possibilidade.

FOLHA - Como essa "ditadura do carbono" funcionaria?

FLANNERY - Vamos pegar um exemplo muito benigno primeiro. Imagine o caso do Brasil. Se a extração ilegal de madeira fosse medida por satélites e o custo do carbono liberado fosse cobrado do governo brasileiro ou dos cidadãos brasileiros por algum tipo de tratado ou mecanismo internacional. Esse é um exemplo. Mas poderia ser que nós precisássemos começar a falar de população. Obviamente, a população é a força motriz de todo o problema. Então, poderíamos começar a limitar a população. E você instala um governo global bem orwelliano. Há várias maneiras pelas quais tendências indigestas poderiam surgir se o problema ficar muito sério.

FOLHA - Na semana passada, o Conselho de Segurança das Nações Unidas discutiu mudança climática pela primeira vez. O que se viu foi um confronto entre Reino Unido e China. O sr. acha que os países do Terceiro Mundo ainda têm motivos para rejeitar metas de redução de gases de efeito estufa?

FLANNERY - Absolutamente não. A única base que eles têm hoje é o fato de que os EUA não querem compromisso. Todos nós precisamos ter compromissos em algum nível. E a China já tem feito coisas impressionantes. Eles já têm uma meta de adotar 20% de energias renováveis, por exemplo.

FOLHA - ?Na mesma reunião da ONU, o governo americano citou a cooperação com o Brasil no álcool como exemplo de que o país já está agindo sobre a questão. Bush está se esverdeando?

FLANNERY - O que conta nessa questão é que os governos efetivamente governem. E governos que governam estabelecem metas claras e caminhos para alcançar essas metas. E isso é o que nós não estamos vendo nos EUA e na Austrália.
Data: 24/04/2007
Fonte: EFE



 
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