Aquecimento global inaugura fase da ecodecoração
Uma das características de uma festa realmente boa foi sempre um catálogo quase bíblico de desperdício e excesso, expressado com carinho ostentatório em forma de decalitros de champanhe, hectares de tecidos, compensado e tapetes vermelhos, e flores exóticas em volume suficiente para lotar jatos.

Mas em um ano dominado pela retórica do movimento ambientalista, essas práticas agora podem ser encaradas não só como inapropriadas mas também como escandalosamente anárquicas - e não no bom sentido do termo.

Pobres dos planejadores e decoradores de festa, portanto, já que cabe a eles resolver a nova equação - em geral em nome de instituições e organizações públicas cujos eventos de gala beneficentes se tornaram rituais anuais - respeitando as normas da etiqueta ecológica sem deixar de causar a impressão de que organizar a festa custou realmente caro.

"Será que existe uma maneira de produzir uma festa de maneira sustentável?", foi a pergunta que muitos desses planejadores e decoradores - cujo trabalho muitas vezes influencia os mais ambiciosos anfitriões de festas domésticas - fizeram recentemente aos colegas e a eles mesmos. E as respostas que o setor vem desenvolvendo para a questão são ao mesmo tempo intrigantes e causa de séria confusão para um observador isento.

"Comecei a pensar sobre esse assunto porque ia a eventos em cujos convites eu lia coisas como 'esse é um evento ecológico'", disse David Stark, o planejador de eventos "conceituais" que ganhou fama e conquistou o respeito do mercado organizando festas para instituições como o Museu Whitney de Arte Americana.

"Neles, eu encontrava toalhas de mesa feitas de juta e lâmpadas verdes - e não quero dizer ecológicas, ou seja, fluorescentes, mas literalmente verdes, e alguém sempre se levantava para dizer coisas como 'a mudança começa aqui'. Eu só conseguia pensar que eles com certeza estavam brincando".

Se o desperdício é parte essencial de uma festa, Stark começou a questionar, de que maneira seria possível repensá-lo?

"Eu não era ingênuo a ponto de imaginar que seria possível fazer uma festa sem usar e consumir muita coisa", ele prosseguiu, "mas comecei a imaginar se não haveria maneira de fazer o trabalho de maneira mais perceptiva. E aí o meu lado artístico começou a querer apresentar um comentário sobre a coisa, e não apenas uma solução para o dilema dos planejadores."

Com base nesse raciocínio, quando Stark recebeu a tarefa de organizar a festa dos prêmios anuais do Museu Nacional de Design Cooper-Hewitt, realizada no mês passado, ele terminou por desenvolver uma idéia que girava em torno de sugerir que o museu acumulasse seis meses de papel picado gerado em suas dependências, produzindo uma safra de resíduos à qual ele acrescentou 12 anos de suas declarações de imposto de renda e outros papéis de seu escritório.

Em seguida, Stark transformou os 2,7 mil quilos de tiras de papel em candelabros e falsas esculturas de jardinagem, formas rotundas e arcaicas feitas de detritos. Era a linguagem do excesso ¿os arbustos esculpidos com resíduos de papel pareciam o jardim do palácio de Versalhes- expressa com o material da frugalidade.

A empreitada não deixou de gerar contradições e obstáculos, disse Stark, que entrou outras coisas tinha de cumprir os códigos de proteção contra incêndios que se aplicam ao museu, segundo os quais todo o material usado no local deveria ser resistente a fogo.

"Por isso, tivemos de sair à procura de alguém que fornecesse um produto orgânico capaz de retardar chamas", ele conta, "e passamos dois meses e meio molhando quase três toneladas de papel picado no produto retardante, e depois tentando secar todo aquele papel esticando-o no chão do nosso armazém".

À medida que a data se aproximava, Stark contemplava o úmido panorama, e enfim percebeu que precisaria de ajuda. Terminou adquirindo três secadoras comerciais de grande capacidade para completar o trabalho ¿ainda que elas infelizmente consumam muita energia.

"Com certeza não farei de novo a mesma coisa", disse, "mas aprendi uma coisa ou duas a respeito".

Starck veio a reconhecer, da mesma forma que diversos outros profissionais em seu campo de trabalho, que não existem recursos suficientes no mercado para garantir que todo os eventos sejam integralmente ecológicos.

Porque, para cada festa como o evento beneficente da Fundação Nacional da Fauna Terrestre e Marinha, para o qual ele usou mudas de árvores como decoração de mesa, providenciando que aquelas que os convidados não quisessem levar com eles fossem doadas a um viveiro, há outro evento extravagante como a festa a fantasia do Costume Institute, realizada dois anos atrás no Museu Metropolitano de Arte, que tinha por tema o trabalho de Coco Chanel e para cuja decoração sete mil gardênias e 11 toneladas de buxo foram utilizadas. Assim que a festa acabou, contas David Monn, o organizador do evento, todo o material decorativo foi parar no lixo.

"Não existia infra-estrutura básica para nos ajudar", ele explicou. "Mas este ano descobri um cara que é capaz de transformar os produtos em um composto orgânico. Estamos descobrindo como fazer essas coisas, passo a passo."

Monn e Stark se saíram bem com o bege e o marrom - o projeto de Starck para a festa do prêmio Visionaries, do Museum of Arts & Design, este mês, usava barbante, caixas de remessa e plástico-bolha como decoração, e o material todo foi aproveitado pelo museu, que está transferindo sua sede, depois da festa.

Mas em uma cultura em que as imagens mais marcantes do movimento ecológico pouco têm de festivo - por exemplo, o rosto de Al Gore, ou um vídeo de ursos polares se afogando - produzir uma declaração de intenções ecológicas em forma decorativa vem sendo um imenso desafio, especialmente quando a escala do evento é grandiosa. Os profissionais do setor se vêem forçados a reinventar seus próprios símbolos.

"Foi assim que desenvolvi Rudolph, a rena reciclada", disse Simon Doonan, diretor de criação da cadeia de varejo Barneys New York, que está usando latas vazias de refrigerantes para os mosaicos que decoram as vitrines de festas de suas lojas, a partir deste mês. "Coisas assim podem ser feitas em casa", ele afirma.

"Coca-Cola Diet sem cafeína facilita a obtenção de dourados, e azul e prata são fáceis de encontrar em latas de Pepsi e Red Bull. Pode-se produzir coroas natalinas com lã de aço usada. Produzimos uma versão ecológica da canção sobre os 12 dias de Natal que eu ficaria muito feliz em cantar para você, e que termina com 'um Prius em uma pereira'."

Falando em Prius, a costa oeste dos Estados Unidos vem adotando o planejamento ecológico de festas muito mais rápido do que o extremo oposto do país. O momento da virada, disse Jeffrey Best, cuja empresa, a Best Events, vem cuidando da decoração de cerimônias de premiação e das festas subseqüentes há 15 anos, foi a cerimônia do Oscar em 2003.

A organização ambientalista Global Green procurou Best e lhe propôs um desafio, para o evento daquele ano. "Eles me disseram que gostariam de fazer com que alguns dos artistas chegassem ao teatro para a cerimônia daquele ano em carros ecológicos, e me perguntaram se eu tinha alguma idéia sobre o assunto. Procuraram a Toyota, e nós colocamos a empresa em contato com diversas celebridades. Foi assim que começou toda essa mania do Prius. Tivemos a oportunidade de testemunhar alguma coisa que não havia sido vista anteriormente em um evento como esse."

No começo deste ano, Best planejou a mobília que seria usada para a cerimônia de entrega dos prêmios Globo de Ouro, utilizando "madeira de 108 anos de idade, de árvores plantadas na região dos lagos de Utah e que caíram naturalmente", afirmou.

"Os organizadores do evento estavam à procura de mobília exclusiva, e não queriam que árvores fossem cortadas para sua produção. Além disso, em lugar daquele fundo usado para as entrevistas com a imprensa, que normalmente é pintado em vinil, nós utilizamos as sobras de madeira da mobília, com a marca do evento entalhada. Aliás, essa idéia fez tanto sucesso que voltará a ser usada nos prêmios do ano que vem."

Ele acrescentou que adquire direitos de compensação das emissões de carbono para alguns dos eventos que organiza junto à Carbonfund.org.

"Nós gostaríamos de fazer a mesma coisa para todos os nossos clientes", disse Best, que conta ter oferecido idéias semelhantes à General Motors, outro de seus clientes, que ainda não respondeu. "Afinal, todos vivemos a mesma vida, não?"

A jornalista Arianna Huffington relembra a cerimônia dos prêmios Emmy deste ano, que foi descrita pelos organizadores como "Emmy ecológico", como um momento decisivo.

"Em determinado momento, Jon Stewart e Stephen Colbert entraram no palco para apresentar um prêmio", ela conta, "e Colbert levava nas mãos um assoprador de folhas".

"Stewart repreendeu Colbert, lembrando ao colega que eles afinal estavam no 'Emmy ecológico', e Colbert respondeu que usaria o aparelho para 'secar as lágrimas de Al Gore'. Foi um grande momento de passagem: Hollywood transformada de capital do consumo conspícuo em vanguarda ostensiva da conservação conspícua", diz Huffington.

Data: 04/12/2007
Fonte: Redação Terra



 
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